“O Google está nos tornando estúpidos?”- pergunta uma revista internacional em matéria de capa. É que grande parte das pessoas que antes lia e pesquisava, agora só tecla palavras-chave no Google. O autor, Nicholas Carr, diz que seu cérebro se desprogamou para leituras massudas. Outros “filósofos digitais” entraram no debate: a maneira como aprendermos está mudando. Estamos obtendo resultados sem teoria, sem saber o que estamos fazendo,e isso pode matar a ciência. Ciência tradicional é coletar observações (dados) sobre eventos, construir uma teoria a partir dos dados, e usá-la para prever eventos ainda não observados. Ocorre que quando se tem muitos (muitos, muitos) dados, você pode pular a etapa “teoria” e prever direto o resultado.
Como o Google faz. Exemplo: quando você erra na digitação de uma palavra,o Google sugere a grafia correta. Como faz isso sem uma gramática embutida? Ele registra que quando alguém tecla uma palavra “X” e ele pergunta – “você não estava querendo teclar Y?”- muita gente diz que sim.O mecanismo é baseado no registro de todos os “X” e “Y”. É assim também que traduz qualquer língua para qualquer outra. Seu banco de dados, alimentado por versões dos mesmos documentos em várias línguas, produz (na força bruta) uma correspondência entre arquiteturas de gramáticas numa e noutra. Quando traduz, ele varre zilhões de trechos dessas arquiteturas que, agregados, fazem o link “disso” para “aquilo”, de uma língua para outra. Ninguém do Google que trabalhou na construção do tradutor do chinês para o inglês sabia chinês. Só havia dados. Pentabytes de dados, como eles dizem. Para quê teoria?
Comportamento humano, por exemplo. Para quê ficar perguntando por que as pessoas fazem o que fazem? O fato é que elas fazem, e o Google prevê o que farão sem teoria. Algoritmos estatísticos acham padrões onde a ciência não consegue. Mas, se essa computação “pentabyteana” pode substituir a teoria, será que bancos de computadores interligados (como neurônios num super-cérebro) não poderiam produzir um tipo de “supermente”?
A metáfora do computador “Hal”, no filme “2001-Uma odisséia no Espaço”(de 1966), pode tornar-se real? “Hal” seqüestrara o comando da nave (como os computadores do Google parecem fazer com nossas mentes). O astronauta Dave tenta desligar seus circuitos para recuperar o comando.“Hal” implora: “Dave, estou com medo. Por favor, não me desligue; minha mente está indo embora”. Se tentarmos nos desligar dos super-processadores do Google, eles reagirão?Que tipo de mente restará em nós, já que a anterior foi desprogramada? Nicholas Carr conclui: “o filme profetiza que à medida que dependemos mais de computadores para mediar nossa compreensão do mundo, nossa inteligência vai se achatando”. O filme termina com um “Dave” infantil, dentro de uma bolha, em posição fetal, flutuando no espaço e observando a Terra de longe.
* Artigo publicado na Revista Época Negócios – Nº 21– Novembro 2008 – Coluna INOVAÇÃO.