Monday, 7 July 2014

Especialistas dizem que liberdade na internet estará sob risco nos próximos dez anos

Para comemorar os 25 anos da World Wide Web, ou melhor, da proposta do físico britânico e cientista da computação Tim Berners-Lee para a criação da rede mundial de computadores, feita em março de 1989 — que acabou sendo considerada a data de sua criação —, o Pew Research Center (PRC) realizou uma consulta a mais de 1,4 mil especialistas em todo o mundo para que indicassem as ameaças que podem afetar a internet nos próximos dez anos. As opiniões mais marcantes foram reunidas num relatório no qual eles apontam o que acreditam que deve acontecer com a web até 2025.

Para a maioria dos especialistas entrevistados pelo PRC, nos próximos dez anos não deve haver mudanças significativas na maneira como as pessoas acessam e compartilham conteúdo online como fazem hoje. Ainda assim, alguns acham que o anseio por uma internet aberta poderá sofrer forte abalo, principalmente no que diz respeito à forma como a rede mundial funciona e como fonte de conteúdo sem restrições.

Entre as principais ameaças que rodam a internet e que poderá afetá-la na próxima década eles citam o aumento do controle governamental, perda de confiança dos usuários, riscos à estrutura aberta da rede e o controle cada vez maior da web por empresas.

Primavera Árabe

Os especialistas apontam uma tendência global em direção a uma ampla regulamentação da internet por regimes que têm enfrentado protestos e, consequentemente, a um aumento da vigilância dos internautas. Eles observam que nações como o Egito, Paquistão e Turquia têm bloqueado o acesso à internet para controlar os fluxos de informação quando avaliam os conteúdos como ameaça. A China é conhecida por sua "great firewall", que é vista pela maioria dos especialistas como uma forma de censura na internet.

Alguns entrevistados citaram a Primavera Árabe como um exemplo do poder político da internet e de organização das pessoas para se manifestarem e, em seguida, comentaram sobre como isso levou a repressão por parte dos governos. Outros salientaram a aplicação de regras que limitam a troca de informações, a fim de tentar conter a atividade criminosa por governos.

Um número expressivo de entrevistados mencionou as denúncias de Edward Snowden sobre o programa de vigilância de e-mails e telefonemas da Agência de Segurança Nacional dos EUA (NSA). Eles também citaram o roubo de dados de contas de clientes da Target e vigilância corporativa como as ações daqueles que querem acabar com o livre fluxo do conteúdo online.

Paul Saffo, diretor-gerente da Discern Analytics e professor associado da Universidade de Stanford, disse que "as pressões para balcanização da internet continuará e criará novas incertezas. Os governos vão se tornar mais hábeis no bloqueio do acesso a sites indesejáveis".

Monitoramento de atividades online

Alguns entrevistados também prevem que as diferenças regionais, políticas e culturais contribuirão para dificultar o acesso e compartilhamento online. Um professor da Universidade de Georgetown e ex-oficial da Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC, na sigla em inglês) escreveu: "Dada à natureza global dos fluxos de dados, interesses paroquiais nacionais podem se tornar um gargalo. Já o acesso e compartilhamento serão dificultados por leis nacionais paroquiais. Iniciativas de defesa da privacidade e a diretiva para proteção de dados pessoais Safe Harbor da União Europeia podem se tornar um gargalo sério. Nacionalismos são ameaças claras e atuais".

Para o professor de Ciência da Computação do Instituto Politécnico Rensselaer, Jim Hendler, "se alguma coisa [que deve mudar], é a privacidade que terá que dar lugar a abertura, não o contrário… Governos repressivos estarão trabalhando duro para barrar a difusão de informações. Como hoje, haverá boas e más notícias continuamente nessa área, mas com o tempo [haverá] mais integração, acesso e compartilhamento".

Uma parte dos especialistas prevê, no entanto, que o aumento do monitoramento de atividades online irá limitar o compartilhamento e o acesso ao conhecimento. Para o especialista em Direito de Internet Peter S. Vogel, do escritório de advocacia Gardere Wynne Sewell, "questões envolvendo a privacidade são as mais sérias atualmente para acesso e compartilhamento de conteúdo na internet, e há bons motivos para esperar que isso não mude em 2025, sobretudo levando em conta o aumento das ameaças cibernéticas que usuários e empresas enfrentam no mundo todo".

Já para Raymond Plzak, ex-CEO da American Registry for Internet Numbers e atual membro do Conselho de Administração da Icann, autoridade responsável pela coordenação mundial da rede, "a proteção inconsistente da privacidade, se a informação privada é fornecida voluntariamente ou não, e a protecção contra a exploração inconsistente continuam a ser a pedra no sapato do ambiente conectado. A incapacidade das entidades locais, regionais, nacionais e internacionais, dos setores público e privado, e das associações de internet de produzir uma diretriz de privacidade aceita universalmente aumentará a probabilidade de limitação das actividades online".

Restrições à troca de informações

Um número significativo de entrevistados previu que o aumento da monetização de atividades de internet vai mudar as formas pelas quais as pessoas obtêm informações no futuro. Entre as preocupações: o destino da neutralidade de rede; restrições à troca de informações, afetadas pela proteção de direitos autorais e lei de patentes; e falta de previsão e capacidade dos governos e corporações para melhorar o futuro digital, devido ao foco exclusivo nos ganhos de curto prazo.

Pesquisas sobre as influências comerciais que alteram a experiência online foram conduzidas por alguns dos arquitetos da internet. David Clark, pesquisador de Ciência da Computação do MIT e do Laboratório de Inteligência Artificial, observa que a "comercialização da experiência pode vir encadernada ou limitar a expectativa que muitas pessoas têm da internet".

Já o conselheiro-chefe de uma grande fundação diz que "práticas de conluio e anticoncorrenciais de operadoras de telecomunicações ameaçam a recriação de uma internet controlada pelo povo". "Estamos vendo um aumento de jardins murados, criados por gigantes como Facebook e Apple… a comercialização da internet, paradoxalmente, é o maior desafio para o seu crescimento. O lobby das grandes operadoras de redes contra a neutralidade da rede é o maior exemplo disso", completou.

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