Thursday, 8 August 2013

Privacidade de dados na internet

A internet é um meio público e não foi projetada para garantir confidencialidade. Existem métodos, como criptografia de dados e sistemas de contenção sobre a invasão e vazamento de informações, mas uma vez que uma mensagem esteja navegando na rede, ela é passível de interceptação e deciframento, a altos custos, mas possível.

Cabe aos usuários dessa rede buscarem informações sobre como se protegerem dos olhares invasivos, e mais ainda, cabe ao governo repensar sobre suas comunicações e como agir para orientar a população sobre os riscos que todos estão expostos— devem ser ações de segurança pública na era digital. Pensar em sistemas de muralhas eletrônicas, como já ocorre na China e no Vietnã não é solução, definitivamente, pois toda muralha pode ter um dos seus tijolos retirados, a qualquer momento – basta ferramenta adequada.

A divulgação do programa americano de vigilância eletrônica, feita pelo ex-técnico da CIA, Edward Snowden, trouxe à discussão diversas questões sobre a segurança e privacidade na internet, gerando o efeito imediato de desconforto entre governos, instituições e o público em geral, fomentado por polêmicas acerca de quão “protegidas” estão as informações que trafegam pela grande rede.

Em agosto de 2007, o ex-presidente George W Bush, assinou o Ato de Proteção da América (PAA), que oferece ao sistema de inteligência americano o suporte necessário para uso de ferramentas de aquisição de informações relevantes sobre ações terroristas. Entre essas ferramentas, nasceu o programa PRISM, que foi exposto pelas revelações de Snowden ao jornal britânico “The Guardian”, em junho deste ano.

O PRISM, em operação desde 2007, é um programa de vigilância digital, mantido pela NSA (National Security Agency), e construído para fazer o monitoramento das atividades que circulam pela rede de internet em território americano. As informações são coletadas de diferentes mídias e com sofisticada tecnologia de mineração de dados, dado um alvo de busca.

Além disso, a NSA tem acesso irrestrito aos servidores (computadores) e centros de dados de grandes companhias de tecnologia americanas, como a Google, Microsoft, Facebook, Skype, entre outras, que produzem softwares e serviços largamente utilizados pela comunidade mundial. E se isso não fosse suficiente, todo o tráfego de internet que circula naquele país é copiado para laboratórios da NSA, o que possibilita que as mensagens em trânsito estejam passíveis de observação e análise. Por trás há uma complexa e forte estrutura de computadores capazes de processar tudo isso.

O governo americano, no momento, não está preocupado se alguém publica algum material pornográfico, mas está atento a coisas como “receitas de bomba caseira”. E quem pode ser monitorado? Qualquer um que utilize a rede de internet e que realize alguma transação envolvendo servidores ou serviços disponíveis em solo americano.

O que assusta é a granularidade dos dados que o PRISM opera: conversas por vídeo e áudio, fotografias, arquivos de e-mail, conversas telefônicas, movimentos pelas redes sociais, salas de bate-papo, enfim – praticamente tudo o que passa pela rede – não importando se os atores são cidadãos americanos ou não. A internet, como diz seu próprio nome, é internacional por natureza e sendo assim, é quase impossível não ficar exposto ao programa. Enviar ou receber mensagem de e-mail pelo popular Gmail (ou outros) basta para estar à visão do Big Brother da NSA. E de fato, a própria engenharia da internet obriga que certos fluxos de algumas comunicações passem pelos EUA. Por exemplo, ao se digitar um nome de domínio como www.brasil.gov.br, é necessária a tradução desse para um endereço de rede conhecido por IP Address (endereço do protocolo internet).

O processo de resolução do nome para um número depende de servidores de nomes, formando uma base distribuída de informações em nível mundial, sendo isso um componente crucial para funcionamento da própria rede. Os servidores raiz desse sistema atualmente são 13, sendo dez deles presentes nos Estados Unidos, dois na Europa e um na Ásia. A partir daí se desdobram os serviços de informação que são disponibilizados à pessoa que faz requisição a partir de um computador qualquer integrado a essa rede.

E a dependência da sociedade sobre a internet hoje é algo assombroso e alguns números são suficientes para entender a amplitude disso: segundo o site pingdom.com, que fornece serviços de monitoramento e desempenho da internet, ao final de 2012 a rede era acessada por 2,2 bilhões de usuários, continha 1 bilhão de contas no Facebook e 425 milhões de contas no Gmail. Diariamente são processados 144 bilhões de e-mails, 5 bilhões de buscas no Google, 2,7 bilhões de cliques na opção “Curtir” do Facebook. E no Brasil, segundo a Febraban, o ano de 2012 foi encerrado com 37,5 bilhões de transações financeiras pelo meio digital, representando 42% do total e superando pela primeira vez os meios tradicionais. Já o total de pessoas com acesso à internet no Brasil, ultrapassou a casa dos 94 milhões no segundo trimestre de 2012, segundo o Ibope.

Os documentos apresentados por Snowden, dizem que o PRISM observa metadados sobre as comunicações. Metadados são dados sobre outros dados e podem ser obtidos por diversas fontes ou arquivos que trafegam pela rede.

Por exemplo, ao enviar um e-mail, junto estão metadados como o endereço IP de origem e destino; data, hora e fuso horário; tipo de conteúdo e assunto. Já ao fazer uma ligação de um celular junto seguem o número de quem realiza uma chamada, número de série do telefone e chip, data/hora, duração da chamada e a localização geográfica, que também são metadados. Numa foto digital, estão a data e hora do registro, resolução da imagem, informações sobre uso do flash e em alguns casos até a localização geográfica.

Então se o governo americano estiver olhando apenas para esses metadados, já está sabendo muito sobre aqueles que usam tais recursos.

O governo brasileiro demonstrou algumas reações, como o pedido de explicações aos EUA, que resultou numa conversa telefônica do Vice-presidente dos Estados Unidos com a presidente Dilma Roussef, fazendo convite para o envio de uma comissão àquele país a fim de ouvir o quê eles têm a dizer. Já o Ministro da Justiça, Eduardo Cardozo, quer o envolvimento da Polícia Federal nas investigações, caso as explicações americanas não sejam satisfatórias.

O Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, incumbiu a Anatel da missão de questionar as empresas de comunicação do país, para saber se nos seus contratos há alguma cláusula que tenha previsto mecanismos de intercâmbio de informações com empresas norte-americanas, visto que pelas denúncias de Snowden, a NSA teria obtido milhões de informações do Brasil, por meio de convênios com empresas privadas norte-americanas e que teriam contratos comerciais no Brasil.

Há ainda correntes no governo que querem urgência na aprovação do Marco Civil da internet, uma lei que está em tramitação desde agosto de 2011, e que trata dos direitos, deveres e regulamenta a vida do cidadão digital no Brasil; Cabe lembrar, porém, que qualquer lei que se faça no Brasil, não terá efeito sobre o que ocorre nos Estados Unidos, e assim, o PRISM (e outros) continuarão operando – dentro das leis americanas.

Por fim, a espionagem sempre existiu – é uma natureza dos governos. Sun Tzu em seu livro A Arte da Guerra (século IV a.C) já tratava de técnicas de dissimulação; os egípcios antigos contavam com agentes para localizar tribos que poderiam ser conquistadas (1000 a.C). E hoje, ela persiste em diferentes formas, mas sempre presente em nossa história. Então a conduta de uso e a informação pública parece ser o melhor caminho.

Emerson Henrique da Silva é analista de tecnologia da informação, especialista em redes de computadores, professor e coordenador do curso de Ciência da Computação na Faculdade Anhanguera de Cascavel.

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