Em 2012 foi proposto pelo Senado Federal o Projeto de Lei nº 236, que objetiva Reformar o Código Penal Brasileiro, trazendo propostas para modernizar a legislação vigente desde 1940.
No dia 20 de Agosto de 2013 o Relator do Projeto, o Senador Pedro Taques, apresentou à Comissão Temporária de Reforma do Código Penal, seu Relatório a respeito das proposições, juntamente com um Substitutivo do Projeto.
Dentre as alterações propostas no Substitutivo, analisaremos as que dizem respeito aos Crimes Contra a Honra e sua relação com o Direito Digital.
Há muito se fala do aumento do potencial lesivo do crime contra a honra na Era Digital, pois atualmente a capacidade de propagação de uma ofensa, por exemplo, foi elevada à enésima potência, uma vez que seu compartilhamento em redes sociais pode fazer com que a informação chegue a pessoas do outro lado do mundo em poucos segundos. Dessa forma, trata-se de ocorrência que traz grande sofrimento à vítima, que tem sua honra lesada em um mundo sem fronteiras físicas e no qual o direito ao esquecimento parece não existir, fazendo com que dificilmente consiga reparar os danos advindos de tal delito.
Cabe aqui a diferenciação entre calúnia, difamação e injúria, para melhor entendimento. No primeiro delito, há a imputação de um fato criminoso à vítima, que vê sua honra objetiva lesada (consumação) a partir do momento em que terceiros tomam ciência de tal imputação. Como exemplo, pode ser citada a situação em que Paulo publica em sua linha do tempo, no Facebook, um post afirmando que José da Silva roubou sua mochila, citando seu nome para que todos possam tomar ciência do ocorrido.
Na difamação, diferentemente da calúnia, não se imputa fato criminoso, mas somente fato ofensivo à honra objetiva da vítima, sendo o crime consumado também quando terceiros tomam conhecimento de tal ofensa. Para seguir com exemplo semelhante, teríamos o crime de difamação se Paulo publicasse em sua linha do tempo, no Facebook, que seu amigo João da Silva fora trabalhar embriagado, permitindo que todos vissem sua publicação.
A injúria, por sua vez, consiste em imputar uma qualidade negativa a alguém, lesando a honra subjetiva da vítima a partir do momento em que ela mesma toma conhecimento de tal ofensa. Como exemplo, bastaria que Paulo enviasse uma mensagem privada (como por exemplo por inbox no Facebook ou direct message no Twitter) para João da Silva, afirmando que ele é um ladrão, não sendo necessário que terceiros tomem conhecimento de tal fato para se consumar o crime.
No artigo 144, o Substitutivo prevê pena de prisão de um a dois anos para quem comete o delito de difamação e cria nova figura em que incorre na mesma pena “quem, sem consentimento ou autorização, divulgar ou compartilhar fotografia, vídeo ou imagem, por qualquer meio eletrônico ou digital, que contenha cena que exponha a intimidade da vítima”. Em outras palavras, quem divulga ou compartilha foto, vídeo ou imagem com cena que exponha a intimidade da vítima, sem sua autorização ou consentimento, também estaria cometendo a figura típica de difamação.
O Substitutivo aumentou a pena para o delito de difamação, que antes era de detenção de três meses a um ano, e multa; para a pena de prisão de um a dois anos.
Ademais, previu, no parágrafo primeiro, a figura que chamamos de difamação por imagem, em que incorre na mesma pena aquele que propaga arquivo de imagem ou vídeo que exponha a intimidade da vítima.
Apesar do acerto na criação da difamação por imagem, a nosso ver o Substitutivo poderia ter previsto pena mais alta para o crime de difamação de uma forma geral, por conta do potencial lesivo ao bem jurídico honra, pois na Era da Informação, um dos bens mais valiosos de uma pessoa é sua reputação, sua honra, não podendo haver uma pequena punição para delito de tamanha magnitude, pois não serviria para coibir tal prática, tão comum atualmente.
Como sanção para este delito, acreditamos que seria mais adequado banir o infrator da web pelo tempo correspondente ao cumprimento da sua pena. Isso se justifica em razão de ser considerado pelo legislador um crime de menor potencial ofensivo, ou seja, cuja pena não supera dois anos, o que faz com que a pena seja cumprida em regime aberto, dentre outras características favoráveis ao réu. A única maneira de evitar que o infrator continuasse cometendo esse tipo de crime seria criando mecanismos para que não possa acessar a internet de nenhum dispositivo até que termine de cumprir sua pena, retirando-lhe a liberdade digital de ir e vir.
Além da sanção mais adequada, é necessário refletir se estamos preparados para investigar esses delitos ocorridos em meio digital.
A investigação de um delito tem como finalidade a comprovação ou não de autoria e materialidade e para isso, no caso do crime praticado em meio digital, é preciso que tenhamos legislação, como o Marco Civil, que estabeleça a obrigatoriedade de guarda de logs tanto de conexão quanto de aplicativos de internet, para permitir que provas de um crime cibernético não sejam destruídas.
No parágrafo segundo do mesmo artigo, há a previsão da divulgação de “fato que sabe inverídico, capaz de abalar o conceito ou o crédito de pessoa jurídica”, mas não faz menção ao meio eletrônico. Mais uma vez acertada, a nosso ver, a proposta de prever crime de difamação contra pessoa jurídica, por conta da reputação ser o ativo intangível mais valioso em nossa sociedade. A falta de previsão do uso do meio eletrônico para cometimento de tal ofensa não impede, no entanto, que tal dispositivo seja aplicado aos casos ocorridos em ambiente digital, uma vez que importa a lesão ao bem jurídico tutelado e não o meio utilizado para seu cometimento.
Por fim, dispõe no inciso segundo do artigo 147 que as penas serão aplicadas até o dobro se qualquer dos crimes — previstos no capítulo de crimes contra a honra — for cometido “por meio jornalístico, inclusive o eletrônico ou digital, ou qualquer outro meio de comunicação que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria”.
Neste ponto, o Substitutivo anteviu causa de aumento de pena para o caso de crimes contra a honra cometidos por meio jornalístico ou qualquer outro meio de comunicação que facilite a sua divulgação, incluído o meio eletrônico ou digital. A nosso ver, muito acertada a inclusão de meio eletrônico de comunicação como caso de aumento de pena para o dobro, pois como já dito anteriormente, trata-se de meio muito utilizado atualmente para o cometimento desse delito, cujo potencial lesivo tornou-se imensurável com o poder de replicação e propagação de informações num curto espaço de tempo.
No entanto, no caso de difamação cometida por meio da divulgação, na internet, de fotografia que exponha a intimidade da vítima, seria correto aplicar a causa de aumento de pena prevista no inciso segundo do artigo 147? Da maneira como foi organizado o Substitutivo, poder-se-ia afirmar que tal majorante se aplica a todos os delitos descritos no capítulo, mas a figura do parágrafo primeiro do artigo 144, que chamamos de difamação por imagem, já prevê seu cometimento por meio eletrônico, não podendo seu autor ter sua pena duplicada por cometer o delito em ambiente digital, sob pena de caracterizar bis in idem.
A nosso ver, a intenção de reconhecer maior gravidade ao crime contra a honra quando perpetrado por meio digital, foi louvável, mas há que se atentar para a estrutura do Projeto para que não lhe falte lógica, impossibilitando a aplicação eficaz dos tipos previstos.
Por fim, é preciso reconhecer o acerto do Relator em prever no Substitutivo a ocorrência dos crimes contra a honra envolvendo o meio digital. No entanto, não podemos deixar de criticar a escolha de política criminal quanto à cominação de penas, muito baixas se levada em conta a lesividade de tais delitos na sociedade atual e da maneira de estruturar o capítulo, deixando dúvidas quanto à aplicabilidade da causa de aumento de pena.
Ana Carolina Lass Violante, advogada especialista em Direito Digital e sócia do escritório.
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