Pode um veículo pegar imagens publicadas na internet e utilizar em matérias jornalísticas sem pedir a autorização de todas as partes envolvidas, retratadas na imagem? Em que casos isso é legítimo e está dentro do conceito de “fato noticioso” e “dever de dar a notícia” e em que casos isso gera abuso e infração à privacidade?
Na Era Digital, devido ao fácil acesso à conteúdos que estão na internet, e cuja publicação pode ocorrer por terceiros, que nem são os titulares dos direitos autorais, tampouco dos direitos de imagem, tem ocorrido muitos casos que param no Judiciário e que mesmo os Magistrados enfrentam muitas dúvidas em relação aos conflitos quase que paradoxais entre a proteção dos direitos personalíssimos e o direito à liberdade de informação e manifestação do pensamento. Como equacionar? Quais seriam os limites?
Quando os canais de imprensa precisam tratar de algum caso polêmico, atual, a primeira questão levantada é no que tange ao conteúdo estar envolvido em um processo que já esteja tramitando sob segredo de justiça perante o Judiciário. Isso tem ocorrido muito nas matérias que buscam apresentar vítimas envolvidas em publicações ofensivas na internet, onde ainda que seja para transmissão de declaração feita pela própria vítima, alguns cuidados devem ser observados.
Primeiro, na hipótese de versar sobre assunto que seja objeto de ação judicial, que esteja protegida pelo sigilo legal, os relatos da vítima não podem vir a macular a honra e a intimidade do infrator, bem como não podem revelar informações tidas como sigilosas e as provas que estão sendo produzidas no processo.
Segundo, deve limitar-se, portanto, apenas a noticiar o fato e revelar detalhes que não comprometam outras pessoas, como identidade ou qualquer outro dado pessoal e também não revelem as peculiaridades do processo.
Terceiro, as decisões também não podem ser transcritas, nem sequer pequenos trechos. Contudo, o resultado daquele julgamento pode ser divulgado pela imprensa. Mesmo a divulgação de trechos das denúncias ou de decisões judiciais comporta algumas exceções: se os fatos já são de conhecimento público, as denúncias e outras informações do processo podem ser reproduzidas pelos órgãos de imprensa, mantendo-se a restrição quanto a documentos e informações pessoais.
O fator determinante, em verdade, é a origem da informação: quando extraída diretamente do processo e publicada, há violação ao segredo de justiça; se retirada de outras fontes (publicamente acessíveis) e reproduzida, como é a própria internet, a violação não se configura, mormente se considerado o direito à informação e à livre manifestação de pensamento.
Mas deve-se ter cuidado com a forma de extração, para evitar infringir direito autoral de quem produziu o conteúdo (seja ele texto, imagem, som, vídeo). Por isso, é recomendável que se mostre a tela com a página que o conteúdo está publicado, online, ou seja, retrate-se a tela e não baixe-se o conteúdo. Mostrando o mesmo no ar, no local em que originariamente já esteja publicada, não é o veículo que está correndo risco de infração de direito autoral mas sim a pessoa ou site que publicou o conteúdo.
Se isso não ocorrer, e se quiser editar o conteúdo, então as imagens que serão produzidas para a realização da matéria deverão atentar para o risco quanto à divulgação de fotografias, imagens e textos, cuja divulgação dependerá de autorização.
Com isso, se por um lado o conteúdo do processo está protegido pelo sigilo (os documentos juntados nos autos e os atos processuais tais como depoimentos, audiências e julgamentos), o conteúdo publicado na internet, por sua vez, não está (se ativo). Quando divulgado na internet, cai em conhecimento público, e pode ser mostrado livremente pela imprensa, em matérias de caráter eminentemente jornalístico.
Sendo assim, as emissoras, ao produzirem e veicularem notícias relacionadas a um caso como o aqui exemplificado, devem considerar, primordialmente, a proteção do direito à intimidade, à vida privada, à honra e a imagem das pessoas, consolidado no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal Brasileira de 1988, e também no inciso LX, que prevê a possibilidade de que os processos judiciais sejam mantidos sob sigilo para preservação da intimidade das partes.
Destaque-se também, que tais direitos, de caráter personalíssimo, são limites também à liberdade de imprensa, garantida pelo artigo 220 da Constituição. Igualmente, a proteção aos direitos personalíssimos está estampada no Código Civil (arts. 20 e 21), sendo que ambos os diplomas legais dispõem que a violação a estes direitos pode ensejar reparação/indenização (art. 5º, inciso X, CF, e art. 927, CC).
Além destas limitações, a Lei dos Direitos Autorais (Lei 9.610/98) protege também as criações intelectuais, fotografias, imagens e textos, cuja utilização depende de autorização dos respectivos autores.
Concluindo, com relação a imagens e fotografias protegidas pelos direitos autorais, poderão ser mostradas na transmissão se já estiverem publicadas na internet ou em outro meio de comunicação e as mesmas forem exibidas no estado e no local (página) em que se encontram. É importante lembrar que, se por um lado a lei brasileira garante a liberdade de expressão, por outro impõe limites ao exercício desse direito.
É advogada especialista em Direito Digital, sócia fundadora da Patricia Peck Pinheiro Advogados e autora de “Direito Digital”, editado pela Saraiva.
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