Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 2.126/2011 - o Marco Civil da Internet - que tem como objetivo regular o uso da web no Brasil. Desde sua proposição, o projeto vem enfrentando dificuldades para ser aprovado. A falta de consenso não é, contudo, privilégio brasileiro.
Que o diga a atual celeuma americana, onde recentes projetos de lei (conhecidos como Protect IP e SOPA) trazem como temática a coibição da reprodução de conteúdo não licenciado na rede. A discussão principal passa pelo nível de proteção que se conferirá aos direitos autorais na Internet.
Ali o embate traz como protagonistas de um lado, e lutando por instrumentos mais rígidos de proteção, as nonagenárias indústrias do cinema e entretenimento, e de outro, as ainda adolescentes empresas de Internet. Estas, que contam com a liberdade – de reprodução, especialmente - como elemento importante de seu plano de negócios, advogam a flexibilização de direitos proprietários. Como se vê, lá, mais do que cá, os interesses econômicos ditam o rumo da discussão.
E se nos EUA, onde o Digital Millennium Copyright Act (DMCA) regula a matéria há mais de uma década, discute-se novo marco legal, há quem diga que nosso legislativo pecou pela demora. Por outro lado, o consenso é que, graças à atuação do judiciário, a ausência de lei não nos relegou ao limbo da insegurança jurídica.
A aprovação do Marco Civil terá reflexos em diversas áreas do direito, tais como:
(i) o Direito Autoral (e.g. disponibilização de músicas, vídeos e textos);
(ii) Propriedade Industrial (e.g. venda de produtos falsificados);
(iii) Direitos de Imagem (e.g. publicação de material de conteúdo pessoal);
(iv) Proteção da Privacidade;
(v) Liberdade de Expressão (e sua contrapartida, e.g. material de conteúdo ofensivo) e
(vi) questões tuteladas também pelo direito penal (e.g. hacking, malware, conteúdo pedófilo).
Em contexto no qual a publicação de conteúdo ilícito tem potencial lesivo, a questão de alocação da responsabilidade aquiliana entre quem disponibiliza os recursos de rede - provedores - e quem destes faz uso, constitui, talvez, o principal tema de discussão. Foi a este respeito que, em 23 de agosto de 2011, decidiu a Terceira Turma do STJ ao julgar o Recurso Especial no 1.186.616.
A decisão, que por sua extensão e amplitude, tende a orientar novos julgados a respeito do tema, concluiu que “os provedores de conteúdo:
(i) não respondem objetivamente pela inserção no site, por terceiros, de informações ilegais;
(ii) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio de conteúdo das informações postadas no site por seus usuários;
(iii) devem, assim que tiverem conhecimento inequívoco da existência de dados ilegais no site, removê-los imediatamente, sob pena de responderem pelos danos respectivos;
(iv) devem manter um sistema minimamente eficaz de identificação de seus usuários, cuja efetividade será avaliada caso a caso.”.
Muito embora não seja pioneira, a decisão teve o mérito de sedimentar, de forma muito bem fundamentada, o que já era consenso entre especialistas. Contudo, em relação ao item (iii), que diz respeito à possibilidade de responsabilização dos provedores por conteúdo de terceiros, a polêmica persiste.
A posição do STJ carrega consigo notável afinidade com o sistema estadunidense do Notice and Takedown. Neste, o provedor não é, a priori, responsável pelo conteúdo ilícito. Passará a sê-lo, ou melhor, passará a ser passível de responsabilização, na medida em que, notificado de sua existência, optar por não retirá-lo do ar.
A proposta de Marco Civil (artigos 14 a 16) aloca as responsabilidades de modo diferente. Nesta, a responsabilização do provedor somente se efetiva caso este se recuse a cumprir ordem judicial que especificamente determine o takedown.
Cada uma das abordagens traz em si vantagens e desvantagens. Se por um lado o Notice and Takedown tira proveito dos benefícios da autoregulação, por outro - e a experiência americana comprova esta hipótese - dá margem ao exercício abusivo do direito de notificar.
Isto porque, no Notice, ao se punir a opção de manter o conteúdo potencialmente lesivo com eventual responsabilização, cria-se para o provedor o incentivo de realizar o takedown independente da credibilidade da notificação. Entre correr o risco de prever mal os rumos de eventual decisão judicial na qual será coresponsável, e realizar o takedown preventivo, opta, o provedor, invariavelmente, pela segunda via.
Nesta dicotomia entre o direito de postar - e manter postado - e o dever de retirada, vislumbra-se solução de compromisso. A partir da notificação, abusiva ou não, o provedor seria obrigado, sob pena de incidir a coresponsabilidade, a realizar o imediato takedown preventivo. Contudo, referido takedown teria validade por prazo definido em lei como razoável para a obtenção de medida acauteladora (e.g. 72 a 96 horas).
Passado o prazo sem que o notificante tenha obtido ordem judicial confirmando a adequação do takedown, a retomada do conteúdo pelo provedor não importaria em qualquer tipo de responsabilidade.
Os eventos das próximas semanas descortinarão as composições que levarão à redação final da proposta de Marco Civil. É de se ver para qual direção a nova lei nos apontará.
Gustavo Artese é master of Laws (LL.M.) pela Universidade de Chicago e advogado responsável pelas práticas de Propriedade Intelectual e TIC do escritório VPBG Advogados.
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