Mais de quatro anos após a decisão do Congresso Nacional de acabar com a CPMF — o famoso imposto do cheque — o governo continua reforçando seu caixa com este tributo. Dados da Receita Federal mostram que, desde janeiro de 2008, quando a contribuição deixou de ser cobrada, a arrecadação federal conta praticamente todos os meses com recursos da CPMF, cobrada de empresas ou pessoas físicas. Dessa forma, a equipe econômica já conseguiu reforçar o caixa do Tesouro com nada menos que R$ 1,750 bilhão entre janeiro de 2008 e fevereiro de 2012.
Esse valor é suficiente, por exemplo, para o governo arcar com um ano da desoneração da folha de pagamento dos setores que já foram beneficiados pela medida (confecções, calçados, software e call centers), cujo custo estimado é de R$ 1,5 bilhão por ano. A arrecadação residual da CPMF equivale, em outro exemplo, ao que o governo deixará de arrecadar com a redução do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 3% para 2,5% para o crédito das pessoas físicas, cujo custo anual foi estimado em R$ 1,6 bilhão.
Segundo técnicos da Receita, a arrecadação desse residual da CPMF ocorre devido a ações administrativas e judiciais que foram sendo encerradas ao longo dos últimos cinco anos. Os valores que vêm sendo arrecadados incluem não apenas o tributo devido e não pago à época, mas também acréscimos de juros e multas.
Para o especialista em contas públicas Raul Velloso, esse comportamento mostra o excesso e o tamanho da burocracia que ainda existe no país:
— Disputa judicial no Brasil é algo demorado e causa essas distorções. Isso se chama morosidade brasileira.
Do total recolhido entre 2008 e 2012, R$ 408 milhões, por exemplo, foram decorrentes de multas e juros acumulados sobre o não recolhimento da CPMF. Outros R$ 97 milhões vieram de contribuintes que aderiram a parcelamentos tributários especiais e que estão pagando a dívida por etapas. Além disso, R$ 38 milhões vieram de valores que já estavam inscritos na dívida ativa da União.
Imposto extinto se mantém por 5 anos
De acordo com o Fisco, a extinção total de um tributo costuma levar, em média, cinco anos. Isso significa que o recolhimento residual da CPMF tende a ficar cada vez menor e desaparecer da lista das contribuições que são arrecadadas em breve. Mas isso não ocorrerá ainda em 2012. Para se ter uma ideia do ritmo dessa arrecadação, em janeiro último, R$ 8 milhões da extinta CPMF ingressaram nos cofres do governo.
O economista Felipe Salto, da consultoria Tendências, destaca que, mesmo com o fim da contribuição — criada com o argumento de que financiaria a Saúde Pública — o governo não teve qualquer problema em fechar suas contas nesses cinco anos.
Quando estava no meio da disputa com os parlamentares para evitar a extinção da CPMF — cuja arrecadação anual beirava R$ 40 bilhões em 2007 — a equipe econômica alegava que o fim do tributo seria um golpe para a Saúde e também prejudicaria a política fiscal. A alíquota do tributo era de 0,38%, que incidia sobre qualquer operação financeira realizada.
Quando a CPMF acabou, a Receita decidiu fazer uma série de ajustes tributários para compensar as perdas. O IOF, por exemplo, foi elevado para o crédito e passou a ser cobrado sobre novas movimentações. Isso fez com que o recolhimento desse imposto saltasse de R$ 7,8 bilhões em 2007 para R$ 20,3 bilhões em 2008. Já a arrecadação total do governo subiu, em 2008, nada menos que R$ 82,9 bilhões e vem batendo recordes desde então.
— O diagnóstico de que o governo precisava da CPMF para fazer o superávit primário e fechar suas contas estava errado — diz Salto. — A contribuição não era crucial para as contas públicas.
O mesmo governo que lucra até hoje com a cobrança da CPMF também continuou pagando o tributo mesmo depois de sua extinção. Reportagem do GLOBO publicada em julho de 2009 mostrou que, um ano e meio depois de ser extinta, a contribuição continuava sendo incorporada aos custos de contratos do governo com a iniciativa privada.
Em pelo menos 20 auditorias realizadas em 2008 e 2009, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou que empresas e órgãos do governo repassavam o valor do tributo para os fornecedores, que o embolsavam como lucro. Em apenas um dos contratos auditados em 2008, o TCU constatou o pagamento indevido, por empresa do governo, de R$ 3,38 milhões relativos ao tributo.
Volta de tributo é considerada
O TCU determinou o expurgo dos valores cobrados indevidamente, o que foi feito de imediato por algumas empresas. Outras ainda tentaram negociar prazos para corrigir a situação. Na ocasião, a Controladoria Geral da União (CGU) reafirmou que é responsabilidade dos gestores dos contratos revisar os pagamentos em caso de criação, alteração ou extinção de tributos, conforme o artigo 65 da Lei de Licitações (8.666). Para a CGU, os gestores dos órgãos contratantes têm base legal suficiente para obter a revisão dos contratos, e deveriam fazer isso em todos os casos suspeitos.
Quase cinco depois de extinto, a volta do tributo sobre movimentações financeiras é sempre lembrada pelo governo federal e governadores como a saída mais fácil para aumentar os recursos públicos para a Saúde. No início do atual governo, a presidente Dilma Rousseff chegou a incentivar governadores aliados a defenderem a volta da CPMF no Congresso, mas a negativa reação dos próprios políticos e, principalmente, da opinião pública inibe a formalização de proposta nesse sentido.
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