Friday, 7 August 2009

O barato digital

A tese do novo livro de Chris Anderson (autor de "A Cauda Longa") tornou-se a polêmica da moda. Chama-se "FREE" (em inglês significa "livre" e "grátis". A tradução omite parte do duplo sentido que ele intencionava). Seguinte: com os custos das transações digitais tendendo a zero, tudo o que for digitalizável será grátis porque será livre. Isso inclui muito do que tem a ver com produção intelectual - cinema, jornalismo, literatura, música. O futuro dos produtores desses conteúdos não parece brilhante. Malcom Gladwell (de "Tipping Point", "Blink" e "Outliers") caiu de pau.

Anderson respondeu. Gente como Seth Godin entrou na discussão defendendo Anderson. Novos rounds são esperados. Anderson pode ter razão? Aprendemos que quando o custo de copiar e distribuir uma coisa é zero, o preço cai sem limite. Por isso, quem produz o conteúdo (a primeira versão da coisa) trata de se proteger via direito autoral e patentes. Sem essa proteção não há incentivo para produzir a primeira versão, o empreendedor some, e a inovação trava. O preço de qualquer bem, não só de commodities clássicas como soja e minério de ferro, depende da oferta.

Se há ampla oferta e se não há barreira para conseguir uma coisa - seja minério, música, ou um poema de Drummond - o preço dessa coisa cai. Isso é uma lei da economia como a lei da gravidade é uma lei da física. Um "escasso" que muita gente quer, tem que ser caro. Um "abundante", tende a ser grátis. Para não cair na irrelevância e morrer pobre, os produtores de conteúdo terão de inventar outros modelos para ganhar dinheiro. Até aqui, a regra tem sido combater a pirataria, mas Anderson diz: "bobagem, deixa copiar, pois nada vai deter a informação em sua compulsão por ser FREE". Como fazer? O exemplo a seguir pode inspirar.

Nos anos sessenta surgiu uma banda de rock chamada Grateful Dead que, ao contrário dos contemporâneos Beatles e Rolling Stones, nunca teve um hit nas paradas. Os Deads construíram sua marca estimulando (não proibindo) seus fãs a gravarem suas músicas, vendendo T-shirts e outras bugigangas, e fazendo milhares de shows ao vivo. Esses shows são, até hoje, seu canal de venda e seu produto, atraindo gente identificada com o espírito daquela época. Shows personalizados para cada audiência; relacionamento um-a-um com os membros da tribo; a marca não dá sinais de decadência. 

A  música é só pretexto, pode copiar. A receita anual da banda chegou perto de US$100 milhões. Tá certo que os Rolling Stones faturam mais, mas o modelo dos Deads é ótimo se você quer ser apenas muito rico, não mega rico como os Stones (o pessoal da Harley Davidson concordaria). O que talvez Anderson queira dizer para quem (como eu) construiu suas referências em torno de Beatles e Rolling Stones, é que, ao contrário do que John Lennon falou, o sonho pode não ter acabado.

Seu modelo pode fazer reviver certas aspirações de nossa juventude graças a uma viagem impossível nos anos 60 - o "barato" digital (sem duplo sentido) prenunciado pelo Grateful Dead.

* Artigo publicado na Revista Época Negócios - Nº 30 - Agosto 2009 - Coluna INOVAÇÃO.

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