Curioso o quanto é recorrente a forma de abordagem de certas questões regulatórias pela Anatel, especialmente no tocante a oferta de recursos viabilizadores da introdução / expansão de novas tecnologias / competição.
“Lentidão” na definição de regras e na outorga de radiofequências, bem como de outros instrumentos fomentadores de competição, somado a um tratamento “Não Isonômico”, que resulta em constante fortalecimento de determinados players, dificultam o ingresso e a manutenção de outros operadores (entrantes) no mercado brasileiro de telecomunicações, e vêm alicerçando a tomada de decisões da Agência, em substituição ao binômio “competição + consumidor”.
Já ouvimos, inclusive, da própria Agência, por ocasião da abertura do mercado de telefonia fixa, e parece que tal premissa se mantém arraigada no consciente de muitos de seus agentes, que fomentar competição é dar ferramentas para que as grandes operadoras venham competir entre elas, relegando-se a segundo plano (para não dizer último) a introdução de regras que permitam a multiplicação de novos agentes no mercado de telecom (e a manutenção dos poucos que aí estão), de modo a contribuir com o aumento de opção de escolha aos consumidores.
Exemplos de lentidão e de decisões que restaram por excluir tecnologicamente, comercialmente ou financeiramente determinados grupos são do conhecimento da maioria que acompanha esse nobre espaço de discussão e não estou aqui para listá-los, e sim para me focar na proposta da Agência para a re-definição de uso da faixa de 2,5 GHz, a qual, infelizmente, parece seguir essa mesma toada (Lentidão + Tratamento “Não Isonômico”), razão dessa breve introdução.
Pois bem, a proposta da Agência, que prevê a transferência, até 2015, de 140 MHz do MMDS (TV paga por micro-ondas) para o SMP (Serviço Móvel Pessoal), mantendo o primeiro com apenas 50 MHz do total detido atualmente (190 MHz), em que pese tenha respaldo legal, deve também se adequar ao “interesse público” vigente, a fim de dosar, entre a massificação da banda-larga, e o estímulo ao surgimento de vários prestadores de acesso, ao uso da infra-estrutura existente a criação de ambiente favorável ao surgimento e fortalecimento de novos prestadores de pequeno e médio porte em nichos específicos de mercado, como também a simplificação da regulamentação com vistas à convergência, conforme dispõe, inclusive, o próprio Plano Geral de Atualização da Regulamentação das Telecomunicações (PGR), por ela editado.
Portanto, a ordem é de incluir novos players, usar a infra-estrutura existente, criar um ambiente favorável ao surgimento e fortalecimento de novos prestadores de pequeno e médio porte em nichos específicos de mercado, e não excluí-los do processo, objetivo esse que não parece estar contemplado na proposta, e tão-pouco foi possível perceber através das notícias veiculadas na imprensa especializada, dos discursos de diferentes operadoras, associações, fabricantes, desenvolvedores de tecnologia, e principalmente dos debates ocorridos no recém-encerrado congresso da ABTA.
Para alguns desenvolvedores de tecnologia e fabricantes:
“a Anatel privilegiará unicamente as operadoras de telefonia celular, fato que ocorre desde a entrada dessas empresas no Brasil”;
“a Anatel pretende manter o modelo de proteção "ímpar", além de não apoiar a competição do mercado de Banda Larga móvel”;
“decisão da agência reguladora apóia o oligopólio de banda larga móvel no Brasil e tira o direito de escolha da população”;
“Hoje, a população brasileira só tem conseguido adquirir banda larga móvel com o 3G, que é oferecido por apenas cinco empresas – uma forma de oligopólio. Diante dessa situação, as tecnologias e os valores são quase os mesmos, o que ocasiona pouca adversidade e a falta do direito de escolha.”
“Menos de 1% dos brasileiros possuem o serviço de terceira geração”;
“a alteração do 2,5 GHz será prejudicial para as empresas que investiram na tecnologia WiMAX, porque não terão mais o direito de oferecer um serviço completo do Triple-Play”;
“o brasileiro ainda não tem a liberdade de escolher o serviço de banda larga móvel que deseja. Outro exemplo de como a avaliação é lenta no País, está na espera das indústrias a respeito de mais um leilão do 3,5GHz, sendo que a última aconteceu em 2006 e, hoje, são vendidos apenas freqüências para o uso de celular.”;
“Cumprimos todos os ditames legais e até agora não foram homologados”. Segundo o executivo, talvez a Anatel não libera os produtos das empresas, com medo de ser obrigada a autorizar os serviços de WiMAX no Brasil.”;
“Na opinião do executivo, o momento é o da Anatel definir também os rumos para a licitação da faixa de 3,5GHz. "Não há mais porquê 'segurar'. Não temos mais razão. Se 2,5GHz está em consulta pública, por que não soltar também o 3,5GHz? Há muita gente interessada. Precisamos fazer infra-estrutura de banda larga";
“A mudança da regra do jogo vai tirar a energia das empresas para investir no Brasil e a qualidade será bastante inferior”;
“O problema é negar o direito de investir no mercado nacional e tornar o País atrasado no desenvolvimento tecnológico em relação ao mundo”.
As declarações da indústria, as quais fiz questão de transcrever, ilustram com clareza o que busco demonstrar, ou seja, que a Agência manteve pautada sua decisão, ao re-definir o uso da faixa de 2,5 GHz, nas premissas descritas acima ( “Lentidão” + Tratamento “Não Isonômico”).
A proposta da Anatel, além de propor a re-definição gradual do uso do espectro entre os serviços, ainda inclui um pedido de sugestões sobre compromissos de abrangência, cobertura e capacidade, aos interessados no uso dessas faixas de radiofreqüências, de forma a contribuir com o processo de disseminação do uso de aplicações de banda larga e inclusão digital no território brasileiro, inclusive em localidades com população inferior a 100 mil habitantes, compromissos tais que interferem na liberdade da prestação de serviços de telecomunicações providos em regime privado, onde “a liberdade é a regra”, de acordo com a lei, sendo certo ainda que a imposição de pesados compromissos, como se viu em leilões passados (e.g. 3G), pode afastar uma lista enorme de empresas potencialmente interessadas.
Para leigos, o que estamos a discutir aqui parece não ter importância, mas, pelo contrário, trata-se de assunto de extrema relevância, pois os efeitos de definições como essa, tomadas no passado, são hoje notados por toda a sociedade, que se torna refém de operadoras não cumpridoras de suas ofertas, as quais, por sua vez, vêm sendo obrigadas a paralisar a comercialização de seus serviços e respondem a processos milionários por mau atendimento.
Ressalto, antes de concluir, que não estou a propor a defesa de qualquer dos lados, mas sim a correta DOSAGEM entre liberar e impor do regulador, pois não é salutar, senão corrosiva, a manutenção do modelo como se apresenta. Ao continuar, o regulador, focando em apresentar soluções apenas ao mercado das grandes operadoras, todos perdem: o incentivo a inovação, a indústria (refém de grandes grupos), consumidores, governo, TODOS.
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