Monday 28 February 2011

Debate sobre 450 MHz coloca backhaul novamente na berlinda

Aproxima-se o momento em que o governo federal terá que decidir se continuará trabalhando na construção do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) como uma alternativa à atuação das concessionárias ou se muda a tática, usando o projeto como forma de pressionar as teles para, elas próprias, expandirem o serviço de banda larga a todo o país. Nos últimos dias, o debate sobre o novo Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU III) tomou um caminho surpreendente até mesmo para as empresas ao recolocar na mesa de negociação a possibilidade de imputação (cessão não onerosa) da faixa de 450 MHz às concessionárias.

Cobiçada pela Telebrás, principal motor do PNBL, esta faixa tem sido considerada o mais importante trampolim para a expansão da banda larga na região rural.


Na primeira minuta do PGMU III constam metas de universalização do serviço de telefonia nas áreas rurais. Como se trata de um plano para as concessionárias de telefonia fixa, o foco das obrigações era a oferta de voz, ainda aquém dos avanços obtidos na última década nos grandes centros urbanos. Mas, conforme o plano avançou, a ideia de transformar as metas em caminhos para a oferta de banda larga fora do eixo urbano ganhou fôlego. Desde o início, a liberação da faixa de 450 MHz foi apontada como o meio para garantir o cumprimento das metas. Com um detalhe: a faixa deveria ser cedida às concessionárias de graça para que não ficassem ainda mais desequilibradas as contas das metas rurais.


A faixa em questão consiste em um pequeno bloco (7 MHz + 7 MHz) hoje ocupado principalmente por operações móveis da Polícia Federal. Para realocar os serviços em outra faixa, a polícia deverá receber uma indenização de US$ 40 milhões. Mas, pelos números que circulam nos bastidores da negociação sobre o novo uso dessas radiofrequências, o disputado bloco seria bem mais valioso. Comenta-se que uma eventual licitação da faixa renderia, ao menos, R$ 1 bilhão aos cofres públicos. Os técnicos responsáveis pelos cálculos financeiros da negociação, no entanto, negam que exista uma projeção consistente sobre o valor da faixa.


450 MHz para a Oi

Quando a negociação sobre o PGMU III começou, a cessão dos 450 MHz à Telebrás era tida como certa dentro e fora da Anatel. Com um espaço restrito de operação dado o tamanho do bloco, a faixa não permite concorrência na oferta, restringindo a operação a uma única empresa por região. Assim, o entendimento que crescia no governo e entre os responsáveis pela regulação era de que o melhor a se fazer seria liberar a faixa para a Telebrás, como mais um instrumento de fortalecimento do PNBL.


Acontece que o projeto, ao que tudo indica, mudou. Agora é praticamente certo que a faixa ficará com as concessionárias, em especial, a Oi, por ser a maior concessionária do país. A ideia que está em maturação no processo de debate do PGMU é permitir o uso dos 450 MHz pelas empresas privadas, cada uma em seu espaço de atuação como concessionária. Assim, Oi, Telefônica, Sercomtel e CTBC ficariam com um pedaço do lote de frequências para executar os compromissos de universalização em sua área de serviço. Alguns aspectos, no entanto, têm complicado a negociação.


Custo


Um dos maiores obstáculos é o suposto custo de implementação da rede que funcionará na faixa de 450 MHz. Técnicos da Anatel produziram nada menos do que 42 cenários de custos, indo desde a possibilidade de uma empresa implementar a rede a partir do zero até o reaproveitamento máximo das estruturas já existentes no setor. Também foram consideradas variáveis técnicas, como a distância entre as Estações Rádio-Base (ERBs), as antenas que formarão a rede móvel necessária para uso da faixa. Existem cenários com um distanciamento entre as ERBs de 15 km, 30 km, 40 km e 50 km. Quanto mais próximas as ERBs, mais robusta a operação, permitindo maior tráfego de informações. Mas, o custo sobe conforme a distância encurta.


Além disso, os técnicos da agência consideraram os serviços que podem ser prestados no cálculo. Há cenários com oferta apenas de voz, de voz combinada com dados (banda larga) e somente com banda larga. Uma terceira variável importante permeia os estudos: se a oferta será apenas rural ou associada a prestação também em ambiente urbano.


O cenário mais próximo das características da oferta prevista no PNBL é o de velocidade de 512 kbps, com oferta combinada em áreas rurais e urbanas, e um perfil técnico de distanciamento das ERBs de 30 km. Nessa projeção, o custo de implantação da rede seria de R$ 5,353 bilhões. Esse cálculo considera a instalação de 12,879 mil ERBs e 11,229 mil estações de conexão das antenas à rede de dados (backhaul).


Ao observar a projeção do cenário padrão uma coisa é certa: a operação por meio da Telebrás seria economicamente inviável. Técnicos ouvidos por esta reportagem asseguraram que, para um "operador zero", ou seja, uma empresa que teria que estruturar uma rede partindo do zero, o custo é extremamente alto. Os R$ 5 bilhões, portanto, considerariam uma empresa que já está no mercado e que possui alguma rede a ser aproveitada. A Telebrás, neste contexto, estaria descartada.


Licitar ou imputar


Um outro dilema, ainda mais polêmico, ronda as negociações. Apesar de se tratar de uma radiofrequência - bem público escasso e com autorização de uso sempre onerosa, segundo a Lei Geral de Telecomunicações (LGT) -, parte do governo analisa a possibilidade de outorgar a faixa de graça. Essa corrente defende que é possível imputar a faixa às concessionárias. Ou seja, transferir a responsabilidade da exploração para as empresas, eliminando a necessidade de licitar ou cobrar pela autorização. Nessa hipótese, o custo estimado de outorga da faixa seria abatido dos custos do próprio PGMU, reduzindo o ônus das concessionárias com a universalização.


A base do argumento de que a imputação é possível está no artigo 91 da LGT. Este artigo trata dos casos de inexigibilidade de licitação, incluindo nessa opção os casos em que a disputa for considerada inviável pois, "apenas um interessado poder realizar o serviço". Muitos discordam da tese no momento, entendendo que a licitação não só é cabível como também seria correta do ponto de vista regulatório. Isso porque, por ora, não há nada que comprove que apenas uma única empresa é capaz de prestar o serviço em questão.


Dentro ou fora do PGMU?


Por enquanto, a maior dúvida entre os técnicos é se um eventual consenso para que o 450 MHz seja utilizado pelas concessionárias será materializado dentro ou fora do PGMU III. Em princípio, o entendimento geral é de que o plano de metas não é o lugar correto para este tipo de previsão, já que a utilização pode atingir a oferta de banda larga, por natureza, fora do PGMU. A impressão é que o possível acordo pode ser fixado por meio do termo de compromisso que está sendo negociado com as teles para a oferta de serviços de Internet como contrapartida à retirada das metas de aumento da capacidade de backhaul.


Metas de backhaul


Do ponto de vista político, a negociação da faixa de 450 MHz cria um cenário ainda mais intrigante sobre quão longe o governo pode ir com relação às metas de backhaul. A ideia de exigir das teles o aumento de capacidade dessa rede nas regiões urbanas foi o principal motivo da publicação do PGMU III, prevista para 31 de dezembro de 2010, ter sido adiada. Na visão das empresas, essa expansão beneficiaria apenas a oferta de banda larga e não a de telefonia fixa, sendo que apenas esta última pode ser alvo de metas de universalização.


Agora, com o debate do 450 MHz, um novo backhaul entra em cena: um backhaul rural, novamente com foco na banda larga e não na telefonia fixa, já atendida hoje, mesmo que precariamente, por meio de outros instrumentos como o Ruralcel/Ruralvan. Resta saber se as mesmas concessionárias que protestaram contra a expansão do backhaul urbano irão concordam com a troca dessas metas pela construção de um backhaul rural de R$ 5 bilhões.

Seja qual for a posição das empresas, a negociação do uso da faixa de 450 MHz tem caráter mais político do que técnico. Segundo fontes, não será a Anatel a responsável por decidir o caso, mas sim a alta cúpula política. "Esse é um assunto que será decidido pelo ministro das Comunicações e pela presidenta da República", declarou uma fonte da agência.

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