Monday, 29 August 2011

Em entrevista à Carta Maior, presidente da Petrobrás fala sobre o risco do Brasil ser atingido pela "doença Holandesa".

BRASÍLIA – O economista baiano José Sérgio Gabrielli vai completar 62 anos em outubro mas terá de esperar até o mês seguinte para receber o melhor presente que 2011 lhe reserva. Sem nada no horizonte que indique mudanças à vista, em novembro, o 33° presidente da Petrobras deve se tornar o executivo de mais longa permanência no cargo.


Gabrielli comanda há seis anos e um mês aquela que é a principal empresa do Brasil. Com o recém-lançado plano de investir R$ 2,3 mil por segundo até 2015 e a aceleração da produção na camada do pré-sal, a companhia caminha para se transformar também na maior do planeta.


O gigantismo da estatal se revela em dados curiosos. Ela transporta por mês 70 mil pessoas de helicóptero (um estádio do Morumbi). Seu sistema logístico movimenta dois mil caminhões por dia (enfileirados, “medem” 30 km). Responde por pelo menos 13% da arrecadação de impostos de todos os estados (exceto São Paulo). Possui 284 navios (frota maior que a de transatlânticos em cruzeiros pelo mundo, cerca de 200). “Todas as coisas da Petrobras são gigantescas. Por isso ela provoca muito ódio e muito amor”, diz Gabrielli.


Nesta entrevista exclusiva à Carta Maior, o executivo analisa o futuro da empresa e da economia mundial. Discute a polêmica redistribuição dos royalties do petróleo entre os estados. Comenta a disputa política que “sempre, sempre, sempre” envolveu a estatal e fala do próprio futuro político dele - desde já, um potencial candidato ao governo da Bahia pelo PT em 2014.


Mas o executivo também faz um alerta. O desenvolvimento brasileiro a partir do pré-sal pode estar começando a ficar comprometido pela falta de planejamento do governo e de investimento das empresas fornecedoras. Já haveria no ar risco de "doença holandesa", a maldição desindustrializadora que atinge países exportadores de grandes quantidades de uma única commodity. "Estou preocupado com a velocidade de investimentos na cadeia produtiva."


Abaixo, o leitor confere a íntegra da entrevista, concedida no escritório da Petrobras em Brasília na última quarta-feira (24/08).
Quando a Petrobras será a maior empresa do mundo?


Gabrielli: Não sei. O que posso dizer é o seguinte. Olhando o futuro na área de petróleo, a maior contribuição de novas descobertas no mundo vem da Petrobas. Um terço das grandes descobertas nos últimos dez anos foi feita pela Petrobras. O mundo tem duas fontes de petróleo novo. Uma é a descoberta, e aí a Petrobras está disparadamente na frente. Outra é aumentar a recuperação dos campos já decobertos, e aí o volume da Petrobras não é tão grande. Alguém tem perspectiva de crescimento futuro maior do que a Petrobras? Não. Vamos crescer 9,6% por ano, em média, até 2020.
O vice-primeiro ministro britânico, Nick Clegg, disse num seminário promovido pela Petrobras que a empresa vai dar uma mexida na geopolítica mundial. Vai?


Gabrielli: Vai. Hoje, a América do Sul tem uma produção para o mundo muito pequena. Fora a Venezuela, que exporta para os Estados Unidos, o Brasil tem uma exportação de 580 mil barris por dia. Em 2020, a Petrobras vai estar produzindo no Brasil 4,9 milhões de barris por dia. Vamos exportar 2,3 milhões de barris, que é mais do que nossa produção total hoje [2,1 milhões de barris por dia]. A produção total da Líbia hoje é 2 milhões de barris. E mais: em 2020, o Brasil vai consumir entre 3 milhões e 3,3 milhões de barris por dia. Hoje, só quatro países consomem mais de 3 milhões: Estados Unidos, China, Japão e Índia. Então, evidentemente que o papel relativo do Brasil muda na geopolítica do petróleo mundial.

Esse peso geopolítico... Existe uma equipe de inteligência diplomática e política olhando a Petrobras no mundo, nos países em que ela está?

Gabrielli: Nós evidentemente fazemos avaliação de risco político permanentemente. Atuamos em 27 países. Mas nossa principal atuação é no Brasil. 95% dos nossos investimentos são no Brasil, só 5% são fora. É claro que US$ 11 bilhões é grande [investimento], mas para quem está investindo US$ 224 bi...
De que forma esse cenário nebuloso sobre o futuro da economia mundial hoje influencia o futuro da Petrobras?

Gabrielli: Em janeiro de 2009, no auge da crise, nós lançamos um plano estratégico de US$ 174 bilhões. Eu viajei pelos centros financeiros do mundo e dizia o seguinte: "a crise não decretou o fim do futuro, o futuro não foi cancelado; as pessoas vão continuar andando de carro, as coisas vão ser transportadas por caminhão, os ônibus continuarão andando, os aviões continuarão voando, os navios continuarão carrgando cargas e pessoas..." O mundo não parou pela crise. E mais ainda: mesmo que não haja crescimento nenhum e a demanda fique em 85 milhões de barris por dia, pelo declínio da produção, o mundo vai precisar adicionar de produção nova entre 45 milhões e 65 milhões de barris em 2020.
Mais da metade da produção atual...


Gabrielli: Mais da metade. A produção cai de 7% a 10% por ano. Vai precisar ter petróleo. Como não analisamos o amanhã, mas o longo prazo...
O que o cenário político hoje na Líbia impacta o mercado de petróleo, se é que vai, e os negócios da Petrobras?

Gabrielli:
Os negócios da Petrobras, nada. Ou muito pouco. Porque nós tínhamos uma atividade exploratória, não tínhamos produção. Nem perfuração estava sendo feita. Do ponto de vista do mercado de petróleo, a Líbia produzia 2 milhões de barris por dia. E é um petróleo muito leve, muito utilizado nas refinarias européias, a Líbia produz fortemente para a Europa. Acho que para os Estados Unidos, que é o maior mercado do mundo, a Líbia tem um papel muito pequeno. Para a China, também. Portanto, nos mercados maiores, a Líbia tem pouco impacto. Na Europa, pode ter mais. Mas não acredito que tenha grande impacto sobre preços nem na situação do mercado, se a Líbia voltar a produzir rápido. O que é uma interrogação. Depende do que vai fazer o novo governo ou o Kadafi. Ninguém sabe ainda.


Qual o tamanho dos negócios da Petrobras na Líbia?
Gabrielli: Absolutamente imaterial, poucos milhões de dólares. Tínhamos uma sala alugada e sete pessoas trabalhando lá. Agora os brasileiros estão aqui e os líbios estão em nossas atividades fora do Brasil. Não vou dizer onde, para não colocar em risco a segurança deles. Eles estão fora do Brasil e fora da Líbia, inclusive. 
Especialmente no segundo mandato do presidente Lula, a Petrobras esteve no centro da disputa político-eleitoral...

Gabrielli: A Petrobras sempre esteve no centro da disputa política. Sempre, sempre, sempre... A Petrobras foi fundada em 1953, e o primeiro presidente foi um baiano, Juracy Magalhães. Não é baiano. Ele, na realidade, era cearense. Mas foi governador da Bahia. O relator da lei foi Antonio Balbina, que foi governador da Bahia....
Então é natural que o presidente da Petrobras seja candidato ao governo da Bahia...

Gabrielli: Está muito longe. Você pode dizer que o presidente da Petrobras não será candidato em 2012, com certeza absoluta. Mas 2014 está muito longe.
Mas eu queria saber se o senhor acredita que uma disputa mais acirrada por parte da oposição pode atingir a Petrobras também no governo Dilma.

Gabrielli: A Petrobras sempre teve muito ataque, em todos os momentos. Nos últimos oito anos, a Petrobras... Se você pegar o nosso clipping[resumos de notícias], que hoje é pequeno, não há dia que você não tenha intensas publicações, de todo tipo. É normal, ela tem que conviver com isso. A Petrobras é muito grande, impacta a sociedade de forma bastante intensa. Todas as coisas da Petrobras são gigantescas. Evidente que, sendo muito grande, provoca muito ódio e muito amor.
O senhor está há alguns anos no cargo, imagino que já esteja suficientemente bem acomodado, mas como é ter mais poder do que muitos presidentes de países?

Gabrielli: Não sei se tem esse poder todo, porque a Petrobras é muito procedimentada, tudo tem comitês, nada é uma decisão individual. É uma empresa disciplinada, mas não é a vontade do presidente que determina as coisas. O processo de decisão algumas vezes envolve centenas de pessoas. Temos hoje mais de três mil gerentes e três mil coordenadores. Nós operamos uma empresa que planeja investir US$ 224 bilhões até 2015. Ninguém sabe exatamente o que é isso. Mas se você transformar em ano, mês, dia, minuto e segundo, a Petrobras vai investir mais de R$ 2,3 mil por segundo, nos próximos cinco anos. Um investimento desse tamanho não pode ser pessoal. Tem que ter uma máquina de decisões.
Como foi ter visto o pré-sal surgir e proporcionar esse gigantismo à Petrobras?

Gabrielli:
Estou na Petrobras há oito anos, era diretor-financeiro antes. A Petrobras se transformou profundamente nesses oito anos. Só para dar um número. Nós investíamos, em 2003, em torno de US$ 5 bilhões. Hoje, estamos investindo US$ 45 bilhões por ano. A Petrobras deu um salto em termos de descobertas e de reservas. Retomou o investimento em refino, construiu uma rede nacional de gasodutos que tem quase 10 mil km. Entrou fortemente em biocombustíveis, voltou à petroquímica fortemente, reorientou a atividade internacional e fez a maior capitalização da história do capitalismo. Quem viveu isso, viveu momentos muito trepidantes e muito interessantes.
Os recursos humanos no Brasil são adequados para esse novo patamar que a Petrobras alcançou? Especialmente na exploração do pré-sal?

Gabrielli: Acho que, para a Petrobras, não teremos grandes problemas. Para a cadeia de fornecedores, teremos. Vou dizer por que. No penúltimo concurso, a Petrobras ofereceu duas mil vagas e teve 390 mil inscritos. No que está em andamento hoje, estamos oferecendo 580 vagas e tivemos 174 mil inscritos. Não acredito que tenha problema de seleção para a Petrobras... Agora, para a cadeia de fornecedores, estamos fazendo um enorme programa de treinamento. Já treinamos 79 mil pessoas e vamos treinar mais 212 mil até 2014, só para a cadeia de fornecedores.
Isso significa quanto de investimento?

Gabrielli: US$ 1,4 bilhões no período. Vamos dar 12 mil turmas de treinamento daqui até 2014. Não é a Petrobras que faz isso, temos hoje 70 instituições no Brasil todo treinando esse pessoal. Treinando todo mundo, desde soldador ao operador de guindaste, ao engenheiro de detalhamento, o especialista em corrosão, o eletricista de alta tensão, operador de caldeira...
O Senado está debatendo a redistribuição de royalties do petróleo e essa é uma discussão sobre quem vai perder. Já apareceu uma ideia de jogar a conta para as empresas, aumentando o que pagam de participações especiais. O que o senhor acha?

Gabrielli: Nós pagamos 76% de participações especiais ao governo, estamos em linha com os maiores tributos do mundo. Se quiserem mais, vai inibir investimentos e inibir crescimento, vai ter menos rentabilidade. Não há mágica. Investindo menos, tem menos emprego, a produção de petróleo cai... A nação tem que saber a conseqûencia da decisão.
A Petrobras não é protagonista deste debate, é impactada pelas decisões dos protagonistas. Mas, com a experiência acumulada no debate do pré-sal, o senhor vê alguma solução para os royalties?

Gabrielli: Acho que a idéia inicial, que era fazer uma pequena redistribuição da concentração dos royalties nos estados do Rio, Espírito Santo e São Paulo, para uma melhor parcela dos outros estados da produção que virá, é o caminho. Qual proproção? Não sei, essa é uma decisão política que o Congresso vai ter que tomar. Mas a direção de uma melhor distribuição é válida. Não é correto continuar no futuro com uma concentração que tem hoje. Principalmente porque a produção vai crescer. O volume absoluto vai dobrar. Os estados produtores vão receber o dobro do que recebem hoje e vai manter a concentração? Não é justo para a sociedade, porque a riqueza pertence a nação brasileira, não aos estados.
Qual a situação hoje com a PDVSA [estatal venezuelana parceira da Petrobras] na [construção da] refinaria de Abreu e Lima [a sociedade está ameaçada porque a a PDVSA ainda não pagou a parte que lhe cabe]?


[Gabrielli: Não posso falar sobre isso. Negociação não se faz pela imprensa.
E qual a perspectiva?

Gabrielli: Não sei, está no prazo. O prazo inicial vence no fim de agosto.
Existe boa-vontade, pelo menos...

Gabrielli: Nosso plano envolve a participação deles, mas temos recursos para fazer sem eles. Estamos preparados para as duas alternativas.
Bom, estou satisfeito...

Gabrielli: Se você me permite comentar uma coisa... Tem uma coisa fundamental, dada a dimensão da Petrobras de longo prazo. Se houver dificuldade na implementação da política de conteúdo nacional, nós podemos ter um problema. Para evitar o risco da doença holandesa, é absolutamente fundamental intensificar o investimento na cadeia produtiva de suprimento de bens e serviços para petróleo e gás. Aumentar a produção de máquinas, bombas, válvulas especiais, milhares de equipamentos. Se não houver o crescimento dessa produção no Brasil, e nós vamos precisar de alguns equipamentos críticos que não tem capacidade de produção mundial, podemos ter problemas com o desenvolvimento brasileiro. Só para fazer uma conta: 2,3 milhões de barris por dia de exportação, a US$ 80 o barril, são 67 bilhões de dólares de exportação. Sabe o que impacta isso no câmbio?
Quem tem de liderar a solução desse problema?

Gabrielli: É um conjunto. A Petrobras não pode fazer tudo, o governo está fazendo também, as associações profissionais estão fazendo, e as empresas têm que fazer.
Para quem é esse recado? Com quem o senhor está preocupado?

Gabrielli: Estou preocupado com a velocidade de investimentos na cadeia produtiva. 

Quando esse problema vai surgir?

Gabrielli: Tem alguns setores em que surgem, outros que não. É uma coisa tão grande que não pode dizer que começou hoje ou amanhã.
O plano Brasil Maior do governo deveria avançar mais nisso? 

Gabrielli: Estou esperando a parte de petróleo e gás, que não saiu ainda...

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