PARIS, WASHINGTON e NOVA YORK - O vazamento de 250 mil documentos sigilosos produzidos por diplomatas americanos em diferentes regiões do globo desaguou em interrogações sobre a era de informações digitalizadas e de privacidades ameaçadas por hackers e ciberataques. Além da exposição de indiscrições sobre líderes mundiais, as revelações divulgadas pelo site WikiLeaks evidenciaram a questão sobre a fragilidade e o futuro da segurança de dados num mundo de crescentes comunicações virtuais.
Para especialistas, o Big Brother diplomático, do qual o Departamento de Estado americano foi o protagonista nos últimos dias, é apenas o início de uma situação que vai afetar governos, empresas e até ONGs ou organizações filantrópicas no século XXI.
- Esse problema não é só americano, e não vai sair de cena. Os EUA são a superpotência global dominante e, por isso, as pessoas estão mais interessadas nos nossos negócios do que em saber o que os diplomatas de Ruanda contam. À medida que o Brasil aumenta seu papel no mundo, as pessoas estarão mais interessadas nos diplomatas e nos documentos brasileiros - disse James Lindsay, vice-presidente do Council on Foreign Relations e ex-diretor para assuntos globais do Conselho de Segurança Nacional.
O Departamento de Estado não hesitou em acusar o fundador do WikiLeaks, o australiano Julian Assange, de delinquente irresponsável e anarquista. Mas poupou de críticas a mídia, absolvida pela filtragem dos documentos, publicados com a preocupação de evitar inundações perigosas nos vazamentos diários de informações de bastidores diplomáticos.
Caso pode levar à autocensura
Para Jim Harper, membro do Comitê Consultivo de Integridade e Privacidade de Dados do Departamento de Segurança Interna do governo, o caso WikiLeaks é uma mensagem de alerta a organismos públicos e privados.
- Será muito difícil para as grandes corporações resguardar o segredo de suas informações. Coletar uma grande quantidade de dados num pequeno >ita<drive já não é uma surpresa. Não há soluções fáceis, mesmo que se limite ao máximo o número de pessoas com acesso às informações - avaliou.
Lindsay prevê outra consequência para o caso WikiLeaks:
- Diplomatas, funcionários públicos, repórteres e ativistas estarão menos dispostos a conversar com diplomatas por medo de que suas declarações acabem na internet. E os diplomatas serão mais circunspectos nos relatos que enviam. Como resultado, os governos terão um entendimento pior do que acontece no exterior. Também haverá diminuição no fluxo de informação entre partes do governo, levando a uma política externa menos eficiente e mais suscetível a erros.
Em sintonia com o discurso do governo, Harper é favorável à punição dos responsáveis pelo vazamento, se houver comprovação de violação da lei. Para ele, o WikiLeaks expôs a fraqueza do Departamento de Estado e forçou a transparência em áreas nas quais ela deveria haver.
- Os EUA deveriam se concentrar em proteger o que é realmente importante e desproteger o que pode ser divulgado - opinou.
Para Pierre Conesa, professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris - a prestigiosa SciencesPo - o cidadão comum tem, sim, interesse num certo grau de transparência em questões internacionais. Ele dá o exemplo de George W. Bush com a guerra no Iraque: com uma mentira sobre as armas de destruição em massa que Saddam Hussein possuiria, o então presidente dos EUA comprometeu a vida de milhares de soldados.
- Antes da guerra do Iraque, se se soubesse que os americanos estavam mentindo, talvez não tivesse havido guerra. Mesmo em democracias há ações ditas ilegais que os governos tentam encobrir como segredo de Estado - argumenta.
Segundo ele, este é o princípio de uma democracia: o poder precisa de um certo grau de confidencialidade e os cidadãos precisam de uma certa transparência. Nem o extremo de um lado, nem o extremo de outro.
Por sua vez, Michael O'Hanlon, especialista em segurança nacional e políticas de defesa da Brookings Institution, em Washington, não vê justificativa plausível para o vazamento.
- É algo imoral, incorreto. A divulgação de informações sigilosas exige um objetivo específico e uma boa razão para ser feito - criticou.
Para James Lindsay, a atuação do WikiLeaks é irresponsável e anarquista, e a questão do acesso à informação deve ser resolvida dentro do processo democrático, através da Lei de Liberdade de Informação, que permite requisitar informações.
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